A prestação de alimentos é um tema de bastante interesse em Angola, dado o elevado número de separações, relacionamentos extraconjugais e filhos que nascem sem coabitação dos pais. Por mais simples que seja o tema, gera bastante dúvida e este artigo foi escrito com uma linguagem clara, para que você fique totalmente esclarecido e possa agir em conformidade com a lei.
No presente artigo responderemos as seguintes perguntas:
O que são alimentos?
Quem tem direito de receber?
Quem tem a obrigação de prestar?
Qual é o valor da prestação de Alimentos?
Posso fazer as compras todas e levar ou devo prestar em dinheiro?
Maiores de 18 anos têm direito a prestação de alimentos?
Alimentos à mulher grávida, como funciona?
Alimentos na separação, à ex-cônjuge ou a ex-companheiro de União de Facto.
Aumento e redução da prestação de alimentos, como funciona?
Quando termina a obrigação de prestar alimentos?
O que fazer para que os alimentos sejam decretados com urgência?
O que fazer quando o tribunal já decretou os alimentos mas não se presta ou se presta em valor inferior?
O que fazer quando não se pode prestar os alimentos em dinheiro?
O que fazer para que alguém beneficie de prestação de alimentos?
Caso as dúvidas persistam depois de ler o texto, ou surjam outras, aconselhamos a marcar uma consulta jurídica para análise detalhada do seu caso.
O que são alimentos?
O direito a alimentos encontra-se previsto no artigo 247.º do Código da Família e pode ser conceituado como a quantia devida para satisfazer as necessidades de alguém que não consiga prover o próprio sustento, com o objetivo da manutenção da sus sobrevivência e o bem-estar. Apesar de se denominar alimentos, não se refere meramente a comida mas integra tudo aquilo que for necessário para o sustento do alimentando ou credor (pessoa que necessita e tem direito a alimentos), a nível físico, intelectual e moral. Discriminadamente, alimentação, saúde, vestuário, habitação, lazer (veja o 4.º Princípio da Declaração Universal dos Direitos da Criança), instrução e educação, no caso dos menores, e outros que venham a ser necessários.
Quem tem direito de receber alimentos?
Têm direito a alimentos os menores e os maiores que não disponham de recursos e que não consigam garantir o próprio sustento pelo trabalho. Ou seja, é um direito das crianças, adolescentes, gestantes e todas as pessoas que involuntariamente não consigam se sustentar sozinhas.
No caso do menores
Os alimentos devidos aos menores podem ser requeridos desde o momento que se dá a separação, ou desde o momento do nascimento, caso o bebé nasça fora da comunhão de habitação entre o pai e mãe.
Quando ocorre a separação ou ruptura na união de facto (reconhecida ou não), a pessoa que fica com a criança tem o direito de exigir os alimentos ao progenitor que não mora com a criança. É esta a pessoa obrigada a prestar os alimentos, em primeiro lugar.
No caso de maiores
No caso de maiores, podem ter direito a alimentos os que estejam a frequentar o ensino superior, pois precisam de adquirir competências para ingressar no mercado de trabalho. Ou seja, os pais são obrigados a preparar os filhos para o mercado de trabalho, para que possam se sustentar.
Enquanto os menores têm sempre o direito a receber prestação de alimentos, os maiores estão sujeitos a condicionalismo, de acordo o artigo 248.º do Código de Família, só podem pedir os maiores que não tenham capacidade para trabalhar e os que não disponham de recursos.
Neste caso, apesar de ter completado a maioridade, é necessário comprovar ao tribunal que as necessidades permanecem, para que o tribunal mantenha a prestação de alimentos.
Alimentos a mulher grávida, como funciona?
Quando a mulher grávida não coabite com o pai do nascituro (bebé que aguarda por nascer), tem o direito de requerer os alimentos. Tendo o pai da criança a obrigação de prestar os alimentos a gestante durante os nove meses da gravidez e mais 6 meses após o parto. Tais alimentos servem para garantir a mãe e ao bebé uma gestação, nascimento e puerpério seguro e saudável.
Alimentos a ex-cônjuge ou companheira de união de facto.
Para que os ex-cônjuges e companheiros de união de facto tenham direito a prestação de alimentos devem comprovar o estado de carência dos alimentos.
Por exemplo, quando a mulher é dependente financeira do marido e dá-se uma ruptura na união de facto ou o divórcio, a mulher dependente do marido pode pedir ao tribunal que o marido a sustente. E esse sustento permanece até que esta mulher arranje um emprego capaz de suprir as suas necessidades ou até que arranje outro marido. São alimentos temporários.
Não sendo necessário que a união seja reconhecida mas que seja reconhecível. Pois, enquanto tramita a Acção de Reconhecimento da União de Facto, é possível entrar com uma Providência Cautelar de Alimentos Provisórios para que a ex-cônjuge possa beneficiar da pensão de alimentos, sem ter de depender do reconhecimento da união.
Quem são os obrigados a prestar alimentos?
A obrigação de prestar alimentos aos menores incumbe em primeiro lugar aos pais e aos adoptantes e depois aos demais membros da família. Seguindo-se os avós, os bisavós e outros ascendentes. Na falta dos ascendentes, a obrigação recai aos irmão maiores, na falta destes, os tios e o padrasto ou madrasta em último caso.
No caso de maiores, são obrigados a prestar alimentos os ex-cônjuges, os filhos e adoptados, os netos e toda linha descendente, os pais e adoptantes , os avós e toda linha ascendente e os irmãos.
A obrigação de prestar os alimentos não recai apenas sobre uma pessoa mas é repartida em caso de insuficiência de recursos de apenas um obrigado. O que significa que, em caso de falta de recursos do pai, a acção pode ser proposta contra os avós, contra os tios e outros parentes. Por imperativo legal e por força do Princípio da Solidariedade Familiar.
Em caso de morte dos pais, pode ser proposta a acção contra os irmãos maiores do menor.
Qual é o valor da prestação de alimentos?
A lei não nos estipula um valor exacto sobre a prestação de alimentos , logicamente, porque o critério é a possibilidade da pessoa que vai prestar e as necessidades de quem vai receber. Entretanto, por equidade, estabelece limites. Não devendo a prestação de alimentos ser menos de 25% e nem mais do que 50% do rendimento do “prestador”.
Para que melhor elucidado fique, imagine que o pai do seu filho tenha um salário de Kz 100 000,00 (Cem Mil Kwanzas) e que tenha apenas o vosso filho. O pai do seu filho não poderá prestar menos de Kz 25 000,00 (Vinte e Cinco Mil Kwanzas) e nem mais de Kz 50 000,00 (Cinquenta Mil Kwanzas). O valor a ser prestado deverá fazer face as necessidades do menor, dentro desses limites legais.
Lembrando que tal percentagem não é por cada filho e que a prestação de alimentos não é igual para todos os filhos. Pois, as necessidades de uma pessoa saudável não são as mesmas de um asmático, por exemplo, que faz uso permanente de bomba, ou de uma pessoa que possui pele atópica. Ou ainda, um recém nascido em aleitamento exclusivo, não tem as mesmas necessidades que um menor de 4 anos que frequenta creche.
Posso fazer as compras todas e levar ou posso prestar em dinheiro?
Os alimentos devem ser prestados em dinheiro, por quem não mora com o menor, podendo ser cumulado com a prestação em espécie, permitindo que o credor disponha um cartão de compras ou disponha um cartão de seguro de saúde, por exemplo.
Ao passo que, a pessoa que mora com o alimentando presta os alimentos em espécie (por bens e serviços), ao integrá-lo no seu agregado.
A prestação de alimentos só incide sobre o salário ou vencimento?
Não. Incide sobre todas as formas de ganhos. Sobre o salário, sobre os rendimentos de taxis no processo ou casas arrendadas, sobre juros de aplicações bancárias e outras inúmeras fontes de renda.
Como aumentar ou reduzir a prestação de alimentos?
A prestação de alimentos pode ser alterada a todo momento, por intermédio do seu advogado ou do procurador, desde que se alterem as circunstâncias do momento em que foram fixados.
Pode ser aumentada sempre que os rendimentos da pessoa obrigada a prestar aumentem ou ainda, quando as necessidades do alimentado também aumentem e pode ser reduzida por iguais razões.
Quando termina a obrigação de prestar os alimentos?
A obrigação de prestação de alimentos termina com a morte do alimentado ou do obrigado, quando o alimentado sendo maior, falte gravemente com os deveres para com o obrigado ou quando quem recebe já não careça e quem presta já não tenha possibilidade de prestá-los.
O que fazer para que os alimentos sejam decretados com urgência?
Para que os alimentos sejam decretados com urgência, deve-se entrar com uma Providencia Cautelar de Alimentos Provisórios. O tribunal decreta um valor provisório a título de prestação de alimentos, que o devedor deverá pagar até que o tribunal decrete os alimentos definitivos na acção principal.
O que fazer quando o tribunal já decretou os alimentos e o obrigado não presta ou presta em valor inferior?
Quando já foram fixados os alimentos e não se cumpre com a sentença ou com o estabelecido em acordo homologado pelo tribunal, o processo de cobrança é muito mais célere. Sim, cobrança porque a pessoa obrigada a prestar os alimentos, quando incumpre com tal obrigação, torna-se devedora e o alimentado torna-se credor. Reservando-se a este o direito de efectuar a cobrança por meio de uma acção judicial de execução de alimentos.
Nesta acção, basicamente, o tribunal, pode penhorar algum bem do devedor e proceder a venda para pagar a dívida ao alimentado. Pode ainda penhorar o salário dentro dos limites legais e também retirar o dinheiro da conta bancária do devedor e entregar a pessoa que reside com o menor para pagar a dívida.
Pode ainda o devedor, incumpridor da sentença ser condenado em multa de até 240 dias ou prisão de até 2 anos.
O que fazer quando não se pode prestar os alimentos em dinheiro?
Sempre que não se possa prestar os alimentos em dinheiro, porque impacta consideravelmente no orçamento familiar, prejudicando o agregado, pode-se pedir que se receba o alimentado para que seja inserido no agregado familiar do obrigado. Entretanto, tal decisão depende do progenitor que mora com o alimentado.
O que fazer para que alguém beneficie da prestação de alimentos?
Você deve constituir um advogado para firmar o acordo entre os progenitores ou introduzir a causa em juízo. Importa lembrar que mesmo havendo acordo escrito sobre os alimentos, o mesmo precisa de passar pelo tribunal para ser homologado, que só depois produz efeitos jurídicos. Jamais confie em acordo de boca! Lembre-se que também já houve promessa de amor eterno!
Diante das informações disponibilizadas, caso surjam novas dúvidas, aconselhamos que entre em contacto com um advogado especialista na área para que obtenha ajuda especializada, considerando as especificidades do seu caso.
Por Mércia Bargado
Advogada especialista em Direito de Família.